Os Barbapapas: “Fazemos música para nos conectar”


Os Barbapapas se autodenominam um quarteto experimental de música instrumental com influência intergaláctica. Ao explorar o termo “intergaláctica”, é impossível não lembrar da música ‘Intergalactic’ dos Beastie Boys, que fala sobre a versatilidade do grupo, capaz de tocar até em outras dimensões. Um paralelo que podemos fazer com a proposta dos Barbapapas.

A experiência de os ouvir tocando é como sentir os pés no chão, prestar atenção ao ar que entra nos pulmões, sentir as gotas da chuva no rosto. É uma prática de conexão com o universo. A música é capaz disso porque no fundo é uma força da natureza.

A banda originou-se em São Paulo, pouco antes do início da pandemia, e conseguiu superar as barreiras de um período turbulento. Existe um ponto em comum entre eles onde toda a produção flui com um ritmo cativante, belo e envolvente, capaz de agitar e acalmar.

Durante o período de isolamento, a banda lançou o álbum Doowoodoowoo por meio do selo alemão Fun In The Church, e o projeto continua. Este ano, o quarteto já lançou dois singles, ‘Se Liga na Sequência’, e seu lançamento mais recente intitulado ‘(L)atitude(s)’.

E para conhecer melhor a banda, conversamos com os integrantes, Bárbara Mucciollo, Fernando Lima, Tomás Oliveira e Rubens da Selva:





Dani | Hedflow: O nome da banda tem alguma relação com o desenho animado Barbapapa?

Os Barbapapas: Sim. Era um desenho que a Bárbara assistia quando pequena e fazia parte de sua memória afetiva. Além disso tem também a junção da Barbara quem criou a banda (barba) e os papas.

Dani | Hedflow: Como as diferentes personalidades dos integrantes (Rubens sendo mais introspectivo, Tomás com um perfil experimental, Fernando com a voz extrovertida da banda e Bárbara adicionando o toque alto astral) se somam no processo criativo?

Os Barbapapas: Esse acreditamos ser um dos nossos pontos fortes, as personalidades super diferentes, as influências musicais que cada um traz também super distintas. Essa mistura natural do que cada um é, é o que faz a banda. Todos temos muita liberdade e nos sentimos a vontade pra fazer, criar e pintar esse quadro cada um à sua maneira. Ao mesmo tempo é um desafio manter esses seres potentes juntos em harmonia.

Dani | Hedflow: Existe alguma influência da natureza no processo criativo da banda? Por exemplo, a ligação com a água nas músicas de vocês? Não apenas por conta das taças, mas até pela sonoridade geral.

Os Barbapapas: Com certeza, que assim como estamos vivos e fazemos parte dela, nosso som é fluido como a água. Com suas sutilezas potências e dinâmica. Temos também muito o elemento terra presente principalmente na parte rítmica. Ainda sobre a água, nas taças ela é fundamental para a afinação e para o som sair do instrumento, molha-se as mãos para gerar o atrito como o breu para o violino, o pano molhado para a cuíca. Água é vida e som.

Dani | Hedflow: Poderiam nos contar um pouco sobre os instrumentos que vocês utilizam? Considerando fatos interessantes, como Rubens construindo instrumentos, Tomás usando as harpas de taças.

Os Barbapapas: Sobre as taças, sempre tem uma tia legal que quando éramos crianças chamava a gente para mostrar como tirar o som da taça e nos ensinar a tentar fazer o mesmo. Em um momento de tédio e vontade Tomás levou a brincadeira a sério, juntou as taças que tinham ao seu alcance para fazer seu protótipo com 5 taças, escala pentatônica. O set foi crescendo até chegar no modelo atual com 27 taças. E também tem a invenção sobre a captação, não existia para o instrumento, sempre tocado acusticamente. A captação possibilitou entrar para o mundo da eletroacústico, como o violão se transformou em uma guitarra, falando de forma geral.

No primeiro disco e nesse segundo que virá, Rubens utiliza a Guitarra de Tacho, instrumento que criou inspirado em alguns instrumentos folclóricos do norte e oeste africanos. Um instrumento com 3 cordas principais que podem ser tocadas com slide ou arco e 10 cordas simpáticas, que também podem ser tocadas como harpa.

Dani | Hedflow: Vocês exploram as raízes da música brasileira e latina, mas existem outras influências como a música folclórica Gnawa do Marrocos. De certa forma, vocês também buscam atingir um estado de transe hipnótico como a música Gnawa originalmente fazia?

Os Barbapapas: Adoramos e buscamos este estado hipnótico através do nosso som. Rubens já esteve hospedado numa “riad” em Marraquexe chamada Gnawa Music Academy para aprender um pouco da música Gnawa. Vemos o estado hipnótico como um respiro, digamos, das harmonias ocidentais. Também temos alguns grooves contínuos semelhantes a música gnawa que em relação com os dançarinos sufis, giram em torno de um centro. O jazz etíope e o blues malinês também são outras inspirações e fazem parte das nossas playlists desde que nos conhecemos.


Foto: Jonas Tucci



Dani | Hedflow: Mesmo tocando apenas músicas instrumentais, percebemos que não há monotonia e que cada canção possui um ritmo dançante com uma energia bem forte. De onde vem essa característica marcante na obra de vocês?

Os Barbapapas: A  força creio que já estava aí desde o começo com a união de 4 seres humanos muito potentes com bagagem de vida e som. Mas foi uma escolha consciente fazer música assim como você descreveu. É muito comum a música instrumental cair num lugar de virtuosismo, ou de um músico que toca só para si, ou que toca para outros músicos. Além disso, a coisa de ter as taças também facilmente poderia cair para o lado da música experimental, que é um gênero de escuta difícil.

Essas coisas que permeiam o nosso universo podem acabar afastando algum tipo de ouvinte. Tivemos o cuidado e fizemos a escolha de tocar uma música que mesmo que instrumental e experimental não caísse nessa “armadilha”. Escolhemos fazer dançante, com energia, e na maioria das vezes procuramos melodias que sejam cantaroláveis e que se repetem, tal como um cantor faz. Para poder aproximar nossa música, que já sai de um ponto distante, da maioria das pessoas. Fazemos música para nos conectar. Esse é o principal objetivo.

Dani | Hedflow: A banda surgiu no começo de 2019, enfrentando a pandemia e o momento político do Brasil sob o governo genocida. Como foi criar nesse período desafiador e sombrio, mantendo a positividade e alto astral presente nas faixas do álbum Doowoodoowoo?

Os Barbapapas: Foi muito difícil e triste o momento que todo o mundo passou e nós aqui no Brasil sofremos demais com a pandemia e o contexto político. Aí veio essa oportunidade que o selo Fun in the church nos trouxe de gravar um disco. O que foi para nós um oásis no meio do caos. Foi o que nos ajudou, e muito, a ficarmos saudáveis e criando mesmo com toda dificuldade. O processo criativo foi o peso do outro lado da balança.

Dani | Hedflow: Contem um pouco mais sobre essa parceria com o selo Fun In The Church e sobre a coletânea Preachers Tape que vocês entraram com a faixa ‘Pelegos e Porongos’.

Os Barbapapas: Ela surgiu de um vídeo que postamos no Facebook. Um músico e jornalista filho de brasileiro, Pedro Crescenti, nos viu e colocou e contato com o selo. Ele mesmo tem uma banda, The Düsseldorf Düsterboys que faz parte de um outro braço do selo. A princípio, como já tínhamos 12 ou 13 faixas para gravar o álbum estávamos super felizes de gravar, chegou a pandemia e claro, pelo distanciamento social não conseguiríamos ir ao estúdio gravar. Aí começamos a fazer músicas de 1 min para o Instagram e o louco do Maurice dono do selo falou: “Por que não gravamos um disco destas músicas?”, e assim saiu Doowoodoowoo, nosso primeiro álbum gravado com cada integrante em sua casa. Loucura deliciosa foi esse processo.

Dani | Hedflow: O primeiro clipe da banda, ‘DooWooDooWoo’, foi gravado durante a quarentena com um tom mais escuro e os integrantes vestidos de preto. Já o último single, ‘Se Liga na Sequência’, é dançante e animado. Além disso, vocês têm se apresentado usando roupas vermelhas. O que mudou na estética e estilo da banda desde o início em 2019 até agora?

Os Barbapapas: O que fez a gente decidir pelo tom escuro e fundo preto foi o isolamento social. Cada um de sua casa gravando separadamente. O preto foi um artifício estético pra poder juntar nós quatro na mesma tela, sem parecer aquela tela de conferência de zoom, quebrada, cada um na sua janela. Com o preto podemos nos mesclar de maneira mais orgânica. Também depois que voltamos a nos ver estamos expressando esse calor humano e as músicas dançantes vem aparecendo naturalmente no processo, e com elas também a estética. Faz parte do nosso amadurecimento e entendimento sempre constante de quem queremos ser (pelo menos agora) e dessa vontade de fazer uma musica instrumental quente e dançante.

Dani | Hedflow: E o que podemos esperar da banda no futuro? O que vem na sequência?

Os Barbapapas: É difícil falar sobre o futuro. Agora estamos a todo vapor lançando faixa por faixa do nosso segundo álbum. E esperando ter a oportunidade de fazer shows de lançamento do mesmo. Fazer essa música chegar na maior quantidade de pessoas possível. Queremos rodar muito com ele. Tocar viajar e sermos felizes.




Fotos em destaque por Jonas Tucci

Os Barbapapas: “Fazemos música para nos conectar”

Por
- Nascida nos anos 90 e apaixonada por música e escrita, é fã de Beatles e Rolling Stones. Acredita que escrever é como soltar pássaros de gaiolas. Instagram: @eladaninelo @daniescreve / Twitter: @danislelas