Portugal: imigrante indiano é assassinado a tiros dentro de casa por motivação racista


O indiano Gurpreet Singh, de 25 anos, foi morto com um tiro de espingarda no peito enquanto estava no quarto de uma casa compartilhada com outros cinco trabalhadores, também oriundos da Índia. Os disparos que atingiram o jovem partiram de uma janela do outro lado da rua. Os irmãos, de 22 e 29 anos, acusados de homicídio qualificado, foram detidos, sendo que o mais novo encontra-se em liberdade por ser réu primário.

O crime aconteceu em um domingo, dia 5 de novembro, na Rua Engenheiros Ribeiro da Silva, em Setúbal, cidade da região metropolitana de Lisboa e que recebe turistas com muita frequência devido à proximidade com as Praias do Sado. O alerta foi registrado pelas autoridades por volta das 21h30.

A Polícia Judiciária acredita que o objetivo dos criminosos era atingir todos os moradores da casa. No relato, um dos sobreviventes conta que, depois de dois disparos para dentro do quarto, o atirador deu a volta na casa e descarregou mais dois tiros rumo à cozinha, atingindo de raspão o braço da segunda vítima. 

Em um ato de desespero, uma das vítimas conseguiu agarrar e tirar a espingarda das mãos de um dos criminosos. Em seguida, ambos fugiram deixando a arma para trás. Testemunhas apontam ainda que um outro homem estava na rua à espera dos irmãos e um quarto elemento aguardava dentro do carro que foi utilizado na fuga.

Segundo apuração do Jornal de Notícias, a versão de motivação por vingança não se sustenta. A justificativa de que os indianos, que não falam uma palavra de português, teriam ofendido a mãe dos suspeitos já foi descartada pela investigação, que aponta crime de ódio por discriminação racial. A PJ também afirma que os irmãos não pertencem a nenhuma organização ou movimento político.

O atirador de 29 anos, que teve sua prisão preventiva decretada, já teve quatro condenações suspensas. Já o irmão, de 22 anos, foi liberado na condição de se apresentar à delegacia da sua área de residência em dias alternados.

Gurpreet Singh era agricultor e vivia em Portugal há dois anos.

Os tiros que matara Gurpreet Singh atravessaram a janela da casa onde o imigrante vivia com mais 5 trabalhadores. Foto: Rogério Matos / JN


Imigração de indianos e brasileiros são as que mais crescem em Portugal

Os estrangeiros que vivem em Portugal passaram dos 781.915, no final de 2022, para 980.000 em 2023, segundo os números oficiais do Governo. Em outubro, o Ministério das Finanças destacou que os imigrantes representam 13% da população empregada no país, somando, pelo menos, 600 mil trabalhadores. 

Conforme os últimos dados apresentados pelo extinto SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), em 2002 foram registrados 35.416 autorizações de residência para cidadãos oriundos da Índia. Esse crescimento só perde para a comunidade brasileira, que hoje representa mais de 30% de todas as populações estrangeiras em solo lusitano.

Entretanto, boa parte desses cidadãos enfrentam condições precárias no trabalho. Além da agricultura, a explosão das plataformas TVDE (transporte individual de passageiros em veículo descaracterizado), que cresce em ritmo acelerado todos os anos, faz com que imigrantes de países como Brasil, Índia, Paquistão e Bangladesh sejam atraídos com falsas promessas, caindo até mesmo em redes de tráfico humano. Segundo a presidente da Associação Nacional Movimento TVDE, Ângela Reis, muitos desses trabalhadores são aliciados e acabam contraindo dívidas com a promessa de que depois vão conseguir trazer a família.

O discurso da extrema-direita, que está em ascensão em Portugal, a crise econômica e os baixos salários também contribuem para que os crimes de ódio contra estrangeiros aumentem, principalmente entre imigrantes pobres vindos do Sul global. Discursos que afirmam que o país passa por uma “invasão” ou de que a Europa é “branca”, são cada vez mais normalizados em campanhas de partidos políticos e movimentos anti-imigração, que utilizam as redes sociais para propagar mensagens racistas e xenófobas.

Um recente estudo publicado pela brasileira Thaís França, doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra, aponta que Portugal já está no mapa anti-imigração da Europa. O ‘Mapping Out: Portugal on the European anti-immigrant movements map‘, realizado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (Iscte), em parceria com instituto norueguês Peace Research Institute Oslo (PRIO), revela que os casos de xenofobia vêm se tornado cada vez mais frequentes, conforme o crescimento das comunidades estrangeiras no país.

Segundo dados da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, em 2021 as denúncias de discriminação feitas por brasileiros bateram recorde. O relatório revelou que das 408 queixas recebidas pela CICDR, 109 foram registradas por brasileiros, representando 26,7% do total. Em 2017, com a retomada do fluxo migratório de brasileiros a Portugal, foram registrados apenas 18 casos. Se compararmos os números com os de 2021, o crescimento é de 505%.

Portugal: imigrante indiano é assassinado a tiros dentro de casa por motivação racista

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- Latino-americana, imigrante e jornalista. Twitter: @sttefanicosta