Nina Simone é imune ao tempo

“Vou te dizer o que é liberdade. Liberdade é não ter medo.”

Essa frase é de Nina Simone.

Sendo uma mulher preta, dos maiores nomes da música no mundo, cantora, compositora, pianista, dona de uma voz singular. A canção feita por ela é capaz de tocar a alma das pessoas.

Sendo um prodígio do jazz, Nina também cantava blues, folk, clássico, R&B, gospel e músicas que só podem ser definidas como sendo dela. São mais de 40 álbuns de estúdio, um Grammy Hall of Fame Award, em 2000, e uma coleção de indicações ao longo de sua carreira. Nina foi introduzida no Rock and Roll Hall of Fame como parte da classe de 2018.

Nina (Eunice Kathleen Waymon), nasceu em 21 de fevereiro de 1933 em Tryon, Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Nessa época, o país passava pelo que ficou conhecido como a ‘Grande Depressão‘, um período que marcou a história como a maior crise financeira que já havia acontecido na Era do Capitalismo.



E como tem sido há muito tempo, o que afeta os EUA, afeta o resto do mundo. Nessa época, os regimes fascistas começaram a ascender, como por exemplo, o Nazismo na Alemanha. É importante lembrar sob qual contexto histórico viveu Nina. Foi um momento entre guerras e com muita desigualdade social. Um mundo em que a segregação racial estava em seu pior momento.

Com o fim da escravidão e da Guerra Civil, foram aprovadas nos Estados Unidos, leis que deveriam supostamente proteger as pessoas pretas que eram exploradas e desumanizadas antes dessa disputa acontecer.

Os anos entre 1870 e 1960 fizeram com que os supremacistas brancos continuassem a subjugar pessoas pretas com o respaldo da lei. O que deveria ser uma proteção, se tornou um passe para a violência, humilhação e retirada de direitos. Houve tanta manipulação, que o acesso ao voto ficou restrito aos brancos, pois exigiam, por exemplo, que os cidadãos fossem alfabetizados e que pagassem impostos para que pudessem votar. E quem lutava contra esse terrorismo, sofria represálias de diversos tipos, incluindo morte.

No ano de 1898, o estado da Carolina do Norte tinha uma cidade de maioria negra, Wilmington. E foi lá que aconteceu um massacre realizado por supremacistas brancos.

O partido democrata planejou o golpe, e a cidade foi atacada com tiros de metralhadoras. Nas publicações oficiais, foram 60 o número de pessoas negras assassinadas, mas esses dados não são confiáveis, pois o registro foi realizado pelos mesmos que comandaram o massacre. Estima-se que as mortes tenham passado de centenas.

As pessoas pretas só recuperaram seu livre direito ao voto nos EUA em 1965.




O pai de Nina Simone era um pequeno empresário, e sua mãe trabalhava como empregada doméstica. A vida na igreja fazia parte da rotina da família de oito irmãos.

Kate, a mãe de Nina, fazia faxina na casa de uma senhora que ficou impressionada com o talento musical de sua filha. Com isso, ela arcou com os custos das aulas de piano de Nina com Muriel Mazzanovich, a Miss Mazzy. Assim, Nina teve contato com a música clássica, e, ao longo do tempo, foi demonstrando mais e mais habilidade, o que conquistou outras pessoas que tinham condições de apoiá-la. Miss Mazzy foi uma personagem essencial para a construção da história de Nina Simone.

Mas o mundo mágico da música e toda a solidariedade de pessoas bem intencionadas ao seu redor, não a protegeram da realidade que a cercava. A segregação racial foi cruel com Nina.

Um momento marcante aconteceu em um recital onde Nina se apresentou. Seus pais, tão orgulhosos e felizes pela filha, foram orientados a se sentar no fundo da plateia. Aos 11 anos de idade, ela reagiu. Disse que não tocaria se seus pais não estivessem na primeira fileira. Dado o desconforto da situação, acataram o pedido da jovem menina.

Tempos depois, Nina decidiu realizar um sonho e se inscrever no Curtis Institute of Music, na Filadélfia. Confiante, ela se preparou para uma audição em abril de 1951, mas foi rejeitada pelo Instituto. Nina sempre acreditou que o racismo foi a motivação. Em 2003, O Curtis Institute entregou um diploma honorário em nome de Nina Simone.

Sua voz era inigualável, você ouve e sabe que é a Nina Simone quem está cantando.

Com o passar do tempo ela percebeu que, mesmo dominando muito bem o piano, seu principal instrumento era a sua voz única.

Nina Simone se tornou uma estrela e viveu a vida intensamente. Ela era uma ativista que lutava pelos direitos civis, contra o racismo, e fazia isso também através da música. ‘Mississippi Goddam‘ é conhecida como um poderoso hino de protesto, e foi escrita logo após o atentado a bomba que causou a morte de quatro garotas pretas numa igreja de Medgar Evers.




Se manifestar abertamente como ela fazia, em um período de tanta repressão e hostilidade, também lhe saiu caro. Nina perdeu espaço na mídia, perdeu trabalhos. Mas isso não a impediu de continuar lutando pelos direitos civis.

Existe uma grande diferença entre o que é caro e o que é valioso.

Para Nina, sua raíz era valiosa, sua história, sua família, sua cultura. Àqueles que sentiam na pele o que ela sentia eram pessoas valiosas.

Não à toa, Nina é citada até hoje como uma grande referência na militância negra. Destaquei alguns trechos de sua autobiografia, I Put a Spell on You, lançada em 1991:


“A luta pelos direitos civis não surgiu com o Dr. King e o boicote aos ônibus de Montgomery; existia desde os tempos da escravidão, e o movimento que eu conhecia era a versão mais recente dessa luta. Como todos os recém-chegados, a primeira coisa que eu tinha que fazer era me educar em minha própria história e entender as razões pelas quais eu deveria me orgulhar de minha própria cultura.

Li, ou ouvi falar, sobre as grandes nações negras da África – Benin, Egito, Nigéria, por toda parte – sobre como as civilizações negras existiram enquanto a Europa ainda estava na idade das trevas, e os dias em que os únicos povos civilizados da América do Norte eram os índios nativos que ainda não haviam sofrido o homem branco.”

(…)

“Quem tem poder só o tem às custas de outra pessoa, e para tirar esse poder você tem que usar a força, porque eles nunca vão abrir mão dele por escolha. Foi nisso que passei a acreditar, e foi um grande passo em frente no meu pensamento político, porque percebi que estávamos realmente lutando pela criação de uma nova sociedade. Quando eu tinha começado no movimento, tudo que eu queria eram meus direitos sob a constituição, mas quanto mais eu pensava sobre isso, mais eu percebia que não importa o que o presidente ou a Suprema Corte dissessem, a única maneira de conseguirmos a verdadeira igualdade era se a América mudasse completamente, de cima para baixo. E essa mudança teve que começar com meu próprio povo, com a revolução negra.”



Nina Simone é um marco na história moderna e não será esquecida. Não consigo falar de grandes nomes como o dela apenas no passado. Como poderia fazer isso com uma arte que me emociona hoje? Que me faz refletir e me influencia a querer lutar por um mundo melhor no presente? Só é possível sentir algo assim por uma energia muito viva, e essa energia é Nina Simone: uma mulher imune ao tempo.

Nina Simone é imune ao tempo

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- Nascida nos anos 90 e apaixonada por música e escrita, é fã de Beatles e Rolling Stones. Acredita que escrever é como soltar pássaros de gaiolas. Instagram: @eladaninelo @daniescreve / Twitter: @danislelas