A branquitude da cultura negra é um projeto que precisa ser derrubado

Música salva vidas.

Qual é o impacto da música na sua vida? E você já parou pra pensar sobre esse efeito na vida de outras pessoas? Pense um pouco mais.

Minha intenção não é dar lição alguma. Quem sou eu? Mas seria interessante que você que me lê, buscasse as origens dos seus gêneros musicais favoritos, ou que desse um Google nas principais influências dos seus artistas prediletos. Apostaria, sem pestanejar, que você vai descobrir, direta ou indiretamente, que ouve muita música feita por pessoas pretas.

Tenho vivido uma paixão avassaladora por Rolling Stones nos últimos tempos – banda que bebeu, e ainda bebe, direto da fonte da música preta. Inclusive, o nome do grupo foi retirado de um blues de Muddy Waters, de quem o guitarrista Brian Jones era fã. Eles não escondiam que idolatravam artistas pretos. Entretanto, no começo da carreira, isso não foi nada favorável. A BBC chegou a recusar uma fita dos Rolling Stones, lá nos primórdios, alegando que o vocalista soava como negro.

Vejam só…

Esse passado não é tão distante. Se a gente abrir a porta, dá de cara com ele!



Poesia para os ouvidos

O Dia Internacional do Jazz é comemorado em 30 de abril. Criado pela UNESCO, a data foi anunciada pelo pianista Herbie Hancock. Esse gênero musical surgiu por volta de 1890 e a sua origem é afro-americana. Homens e mulheres pretas que faziam parte de uma classe marginalizada, criaram música, arte e enriqueceram a cultura da humanidade.

Você deve saber que jazz é improviso. E me diz aí: quando você pensa em liberdade, não pensa em improvisação?

A luta pela liberdade está nas entranhas do jazz, blues, rock, rap, funk, samba… A lista é longa.


Foto: Dani Melo


Enquanto a terra girava, acontecia aqui em São Paulo, numa pequena vila no centro, o Jazz Mansion. Estive lá no dia 30, e as bandas que se apresentaram foram, Voodoo Woman, Sweet Jazz e Afrojam.

Não aparece no line up, mas é importante destacar o trabalho da produção, equipe de limpeza, hostess, do pessoal das barracas de comes e bebes… Era muita simpatia, educação e carisma. Isso tudo colabora para o sucesso de um evento.

A Voodoo Woman começou a tocar no finalzinho da tarde. O trio estava sentado em banquinhos, muito à vontade, interagindo com as pessoas. A sensação era de estar entre amigos. A vocalista Layllah Arruda, mescla uma doçura e uma firmeza na voz que te faz se sentir inebriado. O show do trio nos preparou para o que estava por vir.

Já com a chegada da noite, a Sweet Jazz, uma banda do Rio de Janeiro, subiu no palco principal.

Sweet realmente é uma palavra que os representa muito bem. É nítido como a música é posta em destaque quando eles estão em performance. Sem a intenção de brilhar pela própria imagem, eles deixam a canção criar vida. Mal sabem eles que já brilham como uma constelação.

O dueto é composto pelo clarinetista JaY V (João Emanuel) e o contrabaixista Nigga (Ighor Albuquerque), mas dessa vez eles se apresentaram como um quarteto, incluindo a baterista Andressa Pezzuol e o pianista Caio Brandão, que tocou pela primeira vez ao lado deles.

O Sweet Jazz começou tocando nos metrôs do Rio de Janeiro. Era música na rua com instrumentos clássicos. Durante a apresentação, JaY V ressaltou a importância de valorizar e incentivar movimentos sociais. Disse que não foi por acaso que aqueles instrumentos clássicos caíram em suas mãos. Houve incentivo. Incentivo esse que precisa existir e chegar em jovens das comunidades.

Ele também deu uma dica aos que possuem um instrumento parado em casa: “Se não vai usá-lo, doe para alguma escola ou instituição, pois certamente vai cair em mãos talentosas com vontade de aprender.”

É bom lembrar a origem do Jazz, e JaY V também falou que quem ouve funk, pode ouvir jazz. “E quem ouve Jazz, pode ouvir funk”.

A partir daí, a música começou num ritmo delicioso de ouvir. Ao meu lado, vi uma moça dançando e cantarolando uma letra em português. E foi aí que me dei conta: era um funk carioca dos bons!

Os músicos também fizeram questão de explicar quais eram os instrumentos que eles estavam tocando. Achei isso bonito. Esse é o Sweet Jazz.



A Afrojam encerrou a noite com uma catarse.

O movimento, que une músicos pretos pra fazer jams, improvisa junto e o resultado é lindo de se ver!

O músico e produtor cultural, Hever Alvz, é o idealizador da Afrojam. Ele subiu ao palco e deu espaço para diversos artistas, cada um fazendo a sua arte, sua poesia, levando o público ao êxtase. A conexão entre artistas e plateia foi imediata.

É necessário ter o coração quente para apreciar a música que é feita com a alma das pessoas. E a Afrojam, a jam mais preta de São Paulo, com certeza coloca a alma no som.

Hever disse diversas vezes no microfone que “o rap é preto, o jazz é preto, o funk é preto, o blues é preto, o rock é preto“. E se ele disse isso, meu amigo, é porque ainda é preciso falar mais. O processo de embranquecimento da cultura negra foi um projeto que precisa ser derrubado. A verdade tem que ser dita.

Sendo assim, procure saber o que você ouve. Abra o coração!



Foto em destaque por Sergio Fernandes

A branquitude da cultura negra é um projeto que precisa ser derrubado

Por
- Nascida nos anos 90 e apaixonada por música e escrita, é fã de Beatles e Rolling Stones. Acredita que escrever é como soltar pássaros de gaiolas. Instagram: @eladaninelo @daniescreve / Twitter: @danislelas