Anavitória: Existe um canto energético do nosso corpo que só se manifesta em cima do palco

O duo formado por Ana Caetano e Vitória Falcão regressa a Portugal com dois concertos neste mês de maio. No dia 11, elas sobem ao palco da Casa da Música, no Porto. A seguir, o encontro com voz e violão acontece na Aula Magna da Universidade de Lisboa. Antes desses dois momentos, que prometem ser únicos, a dupla conversou com a jornalista Stefani Costa sobre expectativas, parcerias e o sentimento de poder estar de volta à estrada.

STEFANI – Primeiramente, obrigada por falar com a gente mais uma vez. Estou muito feliz em reencontrá-las mesmo que seja virtualmente. Como está a expectativa de vocês em regressar a Portugal depois de dois anos de pandemia? Nós sabemos o quanto isso faz falta no dia a dia de um artista, né?

ANAVITÓRIA – Primeiro, obrigada também por convidar e pelo espaço. É sempre bom trocar ideias!

ANA – A gente está feliz em voltar! Poucos foram os shows ainda. A gente fez uma turnê nos Estados Unidos, alguns shows pingados no Brasil e agora começamos a nossa ‘Eurotour’. Tocamos em Londres ontem a noite (1 de maio) e daqui seguiremos até chegar no Porto e em Lisboa. Nós estávamos com muita saudade de fazer show. Somos artistas de estrada, né? Então a gente se alimenta muito em cima de um palco e também ‘joga’ muita coisa em cima dele. Então, durante esses dois anos nós descobrimos que tinham energias que a gente só mandava embora nesse lugar (palco). Ficou muita coisa dentro da gente, sabe? Nos perguntamos: “Ai meu deus! Quando é que vai chegar essa hora?!”. E agora, eu sinto que toda vez que a gente sobe num palco é um alívio. E que bom que podemos fazer isso novamente.

Estamos doidas para chegar em Portugal logo e encontrar nosso povo ‘portuga’. Vai ser tudo!

STEFANI – O último disco que vocês lançaram (‘Cor’, 2021) tem uma música com o Lenine e o título é justamente ‘Lisboa’. Como foi a construção e a criação em torno dessa canção?

ANA –
Eu escrevi essa música junto com o Paulo Novaes. Ela tem esse nome porque o nosso encontro com o Paulinho se deu em Lisboa. Fomos fazer o show no Coliseu (dos Recreios) e ele foi assistir. Nós o conhecemos nos bastidores e depois realizamos um ‘sarauzinho’ na casa dele. Daí a gente conheceu o Janeiro também, que é um grande cantor português. Foi um rôle super gostoso e a nossa amizade começou aí. Então, quando a gente escreveu essa música juntos, ainda faltava o nome e nós não sabíamos como chamá-la. Com isso, veio a ideia e falamos: “Nossa, vamos chamar de ‘Lisboa’, pois foi lá onde tudo começou”.

E a gente homenageou Portugal não só com ‘Lisboa’. Tem ‘Carvoeiro’ nesse disco também. Foi uma canção escrita na praia do Carvoeiro, na região do Algarve.

STEFANI – Aquela água ‘gelada de muléstia’, né?! (risos)

ANAVITÓRIA – Sim!!! (risos)

STEFANI – Ana, acho que temos uma coisa em comum, porque a Vitória nasceu em Araguaína, no Tocantins. Eu sou de São Paulo, mas morei muitos anos em Goiânia e você também nasceu lá, né? Você é goiana ‘do pé rachado’?

ANA – Sou não! (risos) Eu só fui lá pra nascer, Stefani. Eu fui fabricada lá, mas criada no Tocantins. Mas a Vitória morou em Goiânia. Ela vai ter mais coisa em comum contigo do que eu!

VITÓRIA – Eu morei um ano e meio em Goiânia. Mas, a gente tem uma grande conexão sim por conta da família. Acho que todo mundo do Tocantins tem uma conexão com Goiás.

STEFANI – É verdade! E neste último álbum, vocês trazem muito das raízes da terra. Em ‘Amarelo, Azul e Branco’ tem um pouco sobre a trajetória e a história de vocês, mas não só. É um olhar para o futuro também. E além disso, foi gravada com a maravilhosa Rita Lee, uma das mulheres e cantoras mais importantes da música brasileira, que inspira força e resistência. Como foi a experiência de dividir essa belíssima canção com ela?

VITÓRIA – Essa foi a última música a se acertar no tempo da produção do disco. Os dois convites foram meio tardios no processo. Tanto o Lenine quanto a Rita Lee. Mas, com ela foi ainda mais. Na nossa cabeça a gente tinha certeza que ela falaria um ‘não’, porque a Rita já não realizava coisas há muito tempo. Foi muito uma jogada do tipo: “já que estamos aqui mesmo, por que não?”

ANA – Nossa, e também porque na produção dessa música não existia essa parte do texto. Isso foi uma coisa criada depois, quando o álbum estava quase pronto. Aí a gente falou: “hmm, vamos mexer nessa música de novo”. E foi assim que nós encontramos o espaço para acrescentar o texto.

VITÓRIA – Tinha esse espaço, mas era um instrumental também. Fazia sentido. Aí a Ana tinha visto um vídeo e meio que teve a ideia de encaixar esse texto de Simone de Beauvoir e só depois a gente foi pensar na pessoa que poderia dar essas palavras pra gente ali. Quando a Rita Lee apareceu na nossa cabeça não tinha nenhum outro nome que fizesse mais sentido do que o dela. Por todas as coisas que você já disse e porque ela significa muito pra gente. Ela é um grande ícone nas nossas vidas. E quando a Rita disse sim, foi tudo muito rápido, pois nós já estávamos com as coisas prontas para a masterização.

Quando ouvimos, foi muito lindo! Foi um grande selo que abre o nosso disco. É muito especial tê-la nesse álbum. Imagina, a Rita Lee vai nos guiar na turnê inteira, porque essa música vai estar sempre lá.



STEFANI – Com certeza! Ainda mais agora que ela conseguiu se curar de um câncer!

ANA – Que notícia maravilhosa, né?!

STEFANI – Sim! Ultimamente, a gente não anda recebendo muitas notícias boas. Essa foi uma das melhores e nos trouxe calma. Eu ainda não tive a oportunidade de vê-la ao vivo, mas quem sabe eu não a veja ao lado da Anavitória, não é mesmo?

ANAVITÓRIA – Nossa, um sonho!

ANA – Acho que eu não consigo nem cantar! (risos)

VITÓRIA – Sabe o que você precisa ver? A exposição dela! Fica com essa na cabeça porque foi muito especial. Conta várias histórias da vida dela. Ficou muito bonito!

STEFANI – Estava em São Paulo, né? Quem sabe os organizadores não resolvem trazer a exposição (da Rita Lee) para Lisboa? Tem público aqui, né? Nós estamos praticamente re-colozinando Portugal (risos). O que tem de brasileiro vivendo aqui…

VITÓRIA – E eu amo isso!

STEFANI – Já pensei até em abrir uma pamonharia aqui, gente! (risos)

ANA – Meu sonho!

VITÓRIA – Por favor, por favor!

STEFANI – Até hoje eu não sei o porquê de não ter uma pamonharia aqui, pois o clima friozinho é favorável, né?!

ANA – Olha aí, ó! Tu já tem um negócio na mão! (risos)

STEFANI – Então eu vou abrir uma (pamonharia) pra depois a gente fazer um sarau com a Anavitória comendo pamonha! (risos)

ANAVITÓRIA – Isso! (risos)

STEFANI – Nesta retomada dos eventos vocês têm notado alguma diferença em relação ao comportamento do público?

ANA – Eu acho que senti mais diferença na minha percepção com o público, sabe? No meu estado de presença em cima do palco. O primeiro show foi na Sala São Paulo e foi muito, muito especial. Eu senti que estava todo mundo muito sensível, saudoso e emocionado. Foi um show diferente. Mas, o que eu venho sentindo é que esses dois anos de pausa nos fizeram olhar muito pra dentro. Eu percebi, nesse tempo em que ficamos paradas, como eu passava batido por situações. Aquele negócio de não estar totalmente alí, entende? Eu estava presente, mas com a cabeça em trinta outras coisas que eu tinha para resolver. E agora eu tento me colocar nesse lugar e ficar muito atenta no que está acontecendo, tentando me conectar com as pessoas que estão ali, naquele dia, sabendo do valor que isso tem na minha vida. Não que eu não soubesse, pois eu sempre fui muito feliz fazendo show. Mas, quando isso é tirado, a gente consegue perceber com mais clareza o tamanho que isso ocupa, né? E ocupa um tamanho muito grande para mim. Então, eu tô tentando aproveitar. Eu tô aqui e vou ficar bem aqui com essas pessoas. Amanhã, vai ser um outro dia.

VITÓRIA – Eu não sei se percebo a diferença de entrega, mas no papo… Quando a gente encontra o pessoal… Tava todo mundo morrendo de saudades! E é muito bom poder voltar, comprar um ingresso de um show e saber que você vai vê-lo. Acho que está todo mundo meio que nessa, né? E isso também está relacionado com o estado de presença. Parece que nós estamos florescendo novamente.

ANA – E a estrada não é importante só pro artista. É porque na nossa posição é o que a gente tem pra falar, é a experiência que a gente tem. Nós fomos agora assistir um festival e percebemos o quanto é importante sair de casa e assistir um show ao vivo. É uma outra energia! Alimenta de coisas. Acho que todo mundo estava precisando se reencontrar, se encostar, cantar junto, gritar… Colocar ‘uns negócios’ para fora!

VITÓRIA – Do mesmo jeito que você (Ana) estava falando, a gente conversou muito sobre esse lugar de presença. Parece que existe um canto energético do nosso corpo que só se manifesta em cima do palco. Quando aconteceu o primeiro show, foi tipo: “Ufa, caraca!”. E eu acho que para as pessoas também existe esse lugar onde você só se conecta consigo mesmo quando você está na presença do som que você escuta diariamente. É a música que você bota no teu fone de ouvido, aquela que você manda pro seu amor ou a canção que te conecta com a sua casa, principalmente para você que mora fora do seu país… São várias ‘coisinhas’ e pequenas necessidades que muitos não sabiam ou não entendiam a importância. E quando você está em um show, é possível perceber o quão isso é grandioso. É um lance de sensação mesmo!

STEFANI – Aqui em Portugal a classe artística também teve muita dificuldade. Foi a primeira a ter que parar e, praticamente, a última a regressar. E nós temos o costume de focar apenas no artista que está no palco, mas nos esquecemos das milhares de pessoas que trabalham para que um concerto possa acontecer. São famílias de trabalhadores que dependem desse círculo criativo. Não é um trabalho individual. É coletivo. E se a gente pensa no Brasil e neste governo que acabou com o Ministério da Cultura, nos deparamos com uma união dos artistas que há tempos não acontecia. Observar tudo isso motiva vocês na hora de subir no palco?

ANA – Com certeza!  E neste ano a gente vai ver cada vez mais as movimentações acontecendo. Essa união que você falou mostra que todo mundo está querendo a mesma coisa. É um ano de eleições. Então, a gente tá pedindo, querendo e tentando. Foram momentos muito difíceis por conta do desgoverno que você citou. E foi difícil para todo mundo, mas, principalmente, para as pessoas que estão em cima do palco e para aquelas que estão tentando fazer as coisas acontecerem. É um ano muito importante e quanto mais a gente puder falar sobre isso, melhor. Quanto mais a gente puder conscientizar as pessoas, orientar… Vamos regularizar o título, bora votar!

STEFANI – Principalmente vocês que possuem um público jovem. A juventude precisa se politizar cada vez mais, pois as mudanças dependem da gente também e não devemos nos engajar somente em ano de eleição.

ANAVITÓRIA – É isso mesmo!

Anavitória em 2019 antes do concerto no Capitólio, em Lisboa



STEFANI – E o feat com o Caetano Veloso, pode rolar? (risos)

ANA – A gente tem muita, muita vontade! Mas, nós estamos esperando a hora que a vida vai entregar essa oportunidade. Normalmente, as coisas que a gente fica repetindo muito, acontecem. A gente tem um privilégio cósmico (risos). Mas, eu não sei quando vai acontecer isso não, Stefani.

VITÓRIA – Deixa o ‘homi’ quieto (risos). Daqui a pouco, se ele quiser, a gente faz. Ele já sabe. Faz é hora que ele sabe (risos). 

ANA – Olha aí, Caetano, nós aqui de novo. Mais uma vez! (risos). Mas o que ele quiser fazer com a gente, Stefani, a gente faz! Tu viu que ele falou de nós na música dele? Foi o verso mais bonito que eu já vi na minha vida: “Anavitória, doce beijo de onça”.

STEFANI – Lembro-me de perguntar ao Yamandu Costa como era receber uma música inteira de presente do Gilberto Gil. É de uma magnitude sem tamanho!

ANAVITÓRIA – Deve ser uma surpresa maravilhosa, meu deus do céu!

STEFANI – Meninas, pra finalizarmos, mandem um recado para o público de Portugal e também aos brasileiros que vivem cá e estão à espera deste grande concerto.

VITÓRIA – Nós estamos muito animadas de saber que estaremos por aí daqui a pouco. Vamos fazer shows lindos porque é sempre muito especial estar nesse país que a gente gosta tanto. Estamos animadas!

ANA –
Eu espero que o nosso encontro seja muito gostoso. Aliás, sempre é! A gente tá com saudade e prometemos um encontro lindo! É muito bom poder tocar fora de casa e trazer a nossa música para Portugal. É isso, vamos nos encontrar, Lisboa!

STEFANI – Obrigada, meninas. Muito sucesso pra vocês. Nos encontramos aqui na terrinha!na terrinha!

Anavitória: Existe um canto energético do nosso corpo que só se manifesta em cima do palco

Por
- Latino-americana, imigrante e jornalista. Twitter: @sttefanicosta