Iboru: o samba vivo de Marcelo D2


Antes de falar sobre o novo álbum do Marcelo D2, quero citar o trecho da canção ‘Movimiento’, de Jorge Drexler: “Yo no soy de aquí, pero tú tampoco”.

O mais recente trabalho de Marcelo D2, lançado em junho de 2023, leva o nome Iboru. O título do disco vem de uma saudação conhecida no Candomblé, que significa algo como “Que todas as minhas súplicas sejam ouvidas”. A história por trás dessa saudação é linda e vale a pena pesquisar.

Iboru é composto por 16 faixas que se integram como uma história contada em um livro.

E nessa história D2 dialoga com o povo, com as pessoas que conhecem a vida nas ruas, com os trabalhadores e com aqueles que acendem velas para santos, cientes de que a arte também é viver da fé. Nos lembra que “para construir o futuro, precisamos resgatar o passado“. E resgatando o passado de forma revolucionária, como tem feito desde os anos 90, Marcelo D2 consegue transmitir a verdadeira essência do povo brasileiro. Ele fala de pagode como fala de samba, porque aqueles que realmente amam a música não fazem essa distinção.

Em entrevista para a Casa Natura Musical, o músico revelou que aguardou 30 anos por esse disco. Vindo de uma história longa e consolidada com o Planet Hemp, D2 conseguiu se estabelecer e conquistar respeito como artista solo. Sempre tem algo a dizer em suas canções. Enquanto artistas consagrados no passado marcharam contra as guitarras, hoje percebemos que o futuro pode ser um aliado com suas novas tecnologias.

Dona Paulete, mãe de Marcelo D2, faleceu em dezembro de 2021, e podemos ouvir a sua voz em um áudio que ela enviou para o filho, eternizado na primeira faixa do disco, ‘Saravá‘. Com um fundo preenchido por sons da cidade, vozes de crianças e pessoas conversando, Marcelo D2 canta a capella ‘Pedacinhos de Paulete‘, uma linda homenagem. Nesse momento me lembrei da canção ‘Todo Homem Precisa de Uma Mãe‘, de Zeca Veloso.

Esse disco é sobre uma pessoa que não tem receio de falar sobre a sua fé, suas raízes e a consciência de que o povo existe e, acima de tudo, resiste. É interessante que, ao ouvir o disco, pensei em Zeca Pagodinho, e, surpreendentemente, ele aparece na alegre faixa ‘Bundalelê‘ com Xande dos Pilares. É uma combinação perfeita. O que é o povo brasileiro, senão aquele que sofre sem deixar de se alegrar? “Um povo de fé”, como canta na faixa com Nega Duda. Nosso país pode ter sido tomado por forças fascistas, mas nosso povo é de paz e não desiste da luta. Nós passamos pelas trevas (e podemos passar novamente), mas apenas ‘Até Clarear‘ mais uma vez.

Chico Buarque já disse que cantamos os sambas mais tristes com um sorriso no rosto. Marcelo D2 pode ter esperado 30 anos por esse disco, mas eu não acredito em coincidências. Ele veio à luz na hora certa. Sim, D2, o samba falou, e o ‘Samba Falará Mais Alto‘ sempre que for preciso! Deu a letra lá em cima em parceria com Alcione e Mumuzinho. E ainda podemos cair na ‘Gandaia‘ com Romildo Bastos.

O samba está no pé, é tão bonito!




Sempre exaltando as pessoas que o inspiram e mostrando respeito pelas forças ancestrais, fica fácil entender a ‘Fonte Que Eu Bebo‘, tanto na espiritualidade quanto na história da música. O grande Arlindo Cruz e o jovem Diogo Nogueira são mencionados por D2.

Tão conhecido pelo rap, demonstra talento e, o que é mais importante, amor pela cultura do país em que nasceu, por ter vindo do subúrbio do Rio de Janeiro, pelo samba da Unidos de Padre Miguel. Sabemos que a morte é uma das poucas certezas da vida, mas Marcelo, fique tranquilo, o samba não vai morrer.

O tema principal do disco pode ser a força espiritual que impulsiona o ser humano a continuar caminhando. Nessa história é o Candomblé que fortalece a caminhada de Marcelo D2. ‘Kalundu’, com Mateus Aleluia, parece uma prece. Diria que é o momento que demonstra mais vulnerabilidade dentro de um disco tão forte. É quase como um coração exposto.

Em 2020, com o álbum Assim Tocam os Meus Tambores, também genial, D2 trouxe uma sonoridade diferenciada, que agora sabemos que vem de um ‘Tambor de Aço’. O rapper (e também sambista) não está sozinho, e com seus tambores, ele está ‘Abrindo os Caminhos’ para uma geração vestida de coragem e orgulho. BNegão e Pedro Garcia engrossam esse coro.

Com Metá Metá, em um samba suave que nos envolve como um abraço, ele canta ‘Tempo de Opinião’. São tempos difíceis, mas olhando para trás, não devemos esquecer o caminho já percorrido até aqui.

Muitas vezes, o álbum de um artista é uma obra íntima que é presenteada aos fãs. E como podemos chamar esse disco que foi feito por e ‘Pra Marcelo‘, mas que ao mesmo tempo cai como uma forte bênção? Me lembrei da minha mãe dizendo “filha, vai tomar um passe”. Marcelo D2 prova que é possível lutar com música e que a música pode servir ‘Pra Curar a Dor do Mundo‘.


Marcelo D2 • P O V O . D E . F É. [ V I D E O C L I P E ]



O novo disco de Marcelo D2 é uma jornada ao lado de seus ancestrais, ao mesmo tempo em que homenageia os arquitetos da música brasileira, como ele costuma mencionar. O novo trabalho também representa uma caminhada de fé, preenchendo os corações daqueles que, com dificuldades, fincaram raízes no Brasil, um país com uma história tão dolorosa para um povo que foi oprimido, expulso de suas terras e escravizado. É um disco de fé e esperança.

Iboru, Marcelo D2!

Você pode ouvir o disco na sua plataforma favorita, só escolher.

Iboru: o samba vivo de Marcelo D2

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- Nascida nos anos 90 e apaixonada por música e escrita, é fã de Beatles e Rolling Stones. Acredita que escrever é como soltar pássaros de gaiolas. Instagram: @eladaninelo @daniescreve / Twitter: @danislelas