Recuse, Resista

Sobre pequenas e simbólicas formas de protesto, a relação entre obra e artista e a realidade
nua e crua do dia a dia


A noite de domingo, 13, foi memorável. Quatro bandas estavam programadas para se apresentar na casa de shows Audio, em São Paulo. Em ordem: as brasileiras e representantes do metal extremo nacional, Crypta e Nervosa, seguidas do death metal melódico sueco do Arch Enemy e o blackened death metal polonês do Behemoth. As duas primeiras compostas somente por mulheres e a segunda, liderada pela
frontwoman e vocal, Alissa White-Gluz.

Sou um grande fã do Arch Enemy. Admiro muito a trajetória da banda até o momento, dando voz aos sem voz, pautando o anarquismo sem pudores (p.ex. ‘Under Black Flags We March’). Falando sobre temas como revolução (em músicas como ‘Revolution Begins’, ‘We Will Rise’ e, mais recentemente, ‘The World Is Yours’ – nesta última abordando, inclusive, questões como o colonialismo e a escravidão), crueldade com os animais (p.ex ‘Cruelty Without Beauty’) e até mesmo religião (p.ex. ‘Ravenous’ e ‘Bloodstained Cross’). Desta forma, o que me motivou definitivamente a comprar o ingresso foi saber que a banda se apresentaria. Além dela, nunca tinha tido a oportunidade de assistir Crypta e Nervosa.

“E o Behemoth?”, você pode perguntar.

As ligações da banda polonesa com movimentos de extrema-direita são bastante intragáveis, eu diria. Concordo que separar a obra do artista, muitas vezes, é fundamental. Entretanto, existem limites e a relativização do fascismo com certeza é um deles.

Após as apresentações, veio à tona um vídeo que estava sendo gravado pelo trabalhador da Audio que cuida do audiovisual da casa, onde a vocalista do Arch Enemy, Alissa, chuta o celular durante a gravação em um ato, no mínimo, desrespeitoso e lamentável. Segundo relatos de testemunhas, o chute fez com que a tela do celular rachasse, machucando ainda a mão do rapaz. Considero de extrema importância que a banda preste esclarecimentos pelo ocorrido e, no melhor dos casos, ofereça apoio ao funcionário que não estava fazendo nada além do seu trabalho. (Até o momento desta publicação, não houve nenhuma manifestação oficial).


Alissa White-Gluz durante apresentação do Arch Enemy no Coliseu de Lisboa, em Outubro de 2022
Foto por Stefani Costa




Nesse caso, por exemplo, acredito – e não o faço por ser fã da banda – que seja possível separar a obra do artista. Pode ter havido um mal entendido e uma conciliação diminuiria o impacto do erro cometido. Evidentemente, pode também ter sido de propósito e isso nunca saberemos. No final das contas, não passa de uma atitude individual.

Já o diálogo com a extrema-direita, pelo contrário, não é justificável. Deve ser, sim, condenável, pois se está relativizando o racismo nu e cru. Algo que, pelo menos no Brasil, vale lembrar, ainda é crime.

Gostei muito do que ouvi e vi durante as três primeiras apresentações. Crypta e Nervosa, com a participação especial da vocalista do Torture Squad, Mayara Puertas, cumpriram seu papel e mostraram por que representam tão bem a cena nacional.

O Arch Enemy, ainda que com a atitude de Alissa, conseguiu cativar mais uma vez os fãs brasileiros e fazer tremer a casa.

Quanto ao Behemoth preferi deixar àqueles que de três uma: acreditam ser possível separar a obra do artista, desconhecem tais ligações da banda com a extrema-direita ou compactuam com o mesmo discurso.





Texto por Victor Villa Real
Edição por Stefani Costa

Recuse, Resista

Por
- Conteúdos políticos e sociais divulgados de forma espontânea e direta para um público apreciador de música, cultura e arte em geral.