Paul McCartney nos disse tchau, mas o que a gente quer é dizer hello de novo


O retorno de Paul McCartney ao Brasil é a realização de um sonho para legiões de ‘beatlemaníacos’ e para qualquer pessoa apaixonada por música. A história dele e a saga dos Beatles são entrelaçadas, marcadas por altos e baixos que transformaram o Fab Four em uma família com relações complexas, mas permeada por um amor inquestionável.



A beatlemania não passou


Não há exagero em afirmar que os Beatles revolucionaram o mundo da música. Ao longo de uma década, de 1960 a 1970, a banda deixou uma marca indelével que ecoa até os dias de hoje. Suas canções continuam a encantar e atrair novos admiradores, solidificando-se como uma herança cultural passada de geração em geração.

Eles permanecem entre os artistas que mais vendem discos e artigos no mundo. E falando da discografia, podemos dizer que o grupo tem 12 álbuns de estúdio, 13 extended plays e 22 singles, sem falar dos filmes.

E a narrativa pessoal de cada fã em relação aos Beatles é única.

O meu “encontro” com a banda aconteceu quando ouvi ‘Twist and Shout’ no filme Curtindo a Vida Adoidado (1986). A canção composta por Phil Medley e Bert Russell, gravada pelo quarteto para o disco Please Please Me (1963), é a versão que ouvimos no longa. É inevitável, de uma forma ou de outra, uma hora os Beatles acabam nos encontrando.

A genialidade do quarteto tem muito a ver com sua inquietação e a vontade de produzir coisas diferentes. A mesma banda que nos presenteou com ‘Love Me Do’ (a primeira canção gravada em estúdio), também nos brindou com composições tão diversas como ‘Helter Skelter’, um rock dos bons, ‘Yellow Submarine’ e ‘Ob-La-Di, Ob-La-Da’, que de tão inocentes, nos levam de volta à infância.

A parceria entre Lennon e McCartney resultou em grandes composições incríveis, mas deixou pouco espaço para George Harrison e Ringo Starr, sendo que o mais incomodado com isso era o guitarrista, que conseguiu incluir algumas de suas grandes composições como ‘Here Comes The Sun’, ‘While My Guitar Gently Weeps’ e ‘Something’. Posteriormente, tanto o baterista quanto o guitarrista também seguiram carreira solo.

Não chegamos a receber os Beatles no Brasil, mas tanto Paul quanto Ringo já estiveram por aqui para fazer shows.


Now And Then


O aguardado retorno de Paul McCartney aos palcos coincidiu com o lançamento do documentário Get Back (2021), dirigido por Peter Jackson, que mergulha nas intrincadas sessões de gravação dos Beatles. No mesmo ano, também fomos bem surpreendidos com a derradeira e emocionante ‘Now And Then”, canção que deixa uma sensação agridoce já que, possivelmente, será a última música gravada pelos quatro membros da banda a ser divulgada.

No mini documentário que conta a história por trás dessa composição, é possível observar Paul, George e Ringo (já sem a presença de John Lennon, que foi morto em 08 de dezembro de 1980) montando as peças para finalizar a última canção de Lennon. O trabalho foi retomado e finalmente lançado em 2023 graças a tecnologia disponível atualmente.



De vez em quando algo incrível acontece


Há algo de transcendental nos Beatles e que desafia explicações. O que esses jovens de Liverpool realizaram pode ser comparado a um evento astronômico raro, como a explosão da estrela mais brilhante em um sistema estelar. Durante alguns dias ou semanas, esse fenômeno aparenta gerar uma “nova estrela”.

Na transferência de massa de uma estrela para outra, o material é aquecido até entrar em combustão e é expelido em alta velocidade, irradiando intensa luz. Esse evento extraordinário está prestes a se repetir com a T Coronae Borealis entre 2024 e 2026, sendo estimado pelos pesquisadores que a escala de recorrência seja de 80 anos.

Assim como esse fenômeno da astronomia, a última colaboração dos Beatles ressurge, revelando-se como uma manifestação única e cintilante, ‘Now and Then‘. Pode ser coincidência, mas McCartney está com 81 anos. Talvez, ele seja a nosso estrela rara.





A longa e sinuosa estrada


É impossível não refletir sobre a profundidade do impacto dos Beatles na cultura e na música. Sua capacidade de criar algo que perdura por décadas é verdadeiramente incomparável. Enquanto o universo reserva grandes acontecimentos, tão distantes do nosso mundo, podemos acompanhar esse “evento” chamado Beatles como uma constante luminosa que atravessa as eras.

Podemos ver Paul McCartney reluzindo, produzindo, compondo, firmando parcerias, vivendo em movimento. O músico tem uma discografia extensa, que vai desde o período em que fez parte da banda até a sua carreira solo de hoje. O homem não para.

Relutante em falar sobre sua primeira banda, liberou-se das amarras do passado há muito tempo. Quando compartilha histórias da época em que tocava com seus amigos, seus olhos revelam carinho e saudade. Para nós, os Beatles eram uma banda; para Paul e Ringo, eram como irmãos.

Em sua turnê pelo Brasil, McCartney encantou Brasília, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro com apresentações espetaculares. O estádio Allianz Parque, em São Paulo, testemunhou três noites mágicas com fãs de diversas gerações.

Alguns momentos foram particularmente especiais, como a presença de Milton Nascimento na plateia em Brasília e o show intimista no Clube do Choro, proporcionando experiências únicas aos privilegiados presentes. No Maracanã, foi a vez de mirar Gilberto Gil cantando ‘Hey Jude’ entre a multidão. Minutos que não têm preço (apesar do alto valor dos ingressos).



O show é aqui e agora


Ter o baixista mais famoso do mundo em solo brasileiro é uma celebração da música que moldou gerações. Com sua energia inabalável, Paul continua a cativar públicos de todas as idades.

Na apresentação do dia 07/12 em São Paulo, pude observar uma turma de jovens que vestiam camisetas de Billy Idol e Motörhead, os mesmos que cantaram apaixonadamente ‘Maybe I’m Amazed’ e ‘Something’ (a canção que McCartney canta em homenagem ao meu beatle favorito, George Harrison). Isso me fez pensar: “o que está acontecendo aqui?”. Existe algo de diferente no que aqueles quatro jovens se propuseram a fazer. Logo me recordei de uma declaração feita por Ringo, que afirmou que a única coisa que ele fez foi dizer sim.

Enquanto testemunhava a fascinação das pessoas com a presença de Paul McCartney e sua banda no palco, também observei algumas delas perdidas. Um sintoma não apenas da pista VIP, mas do mundo contemporâneo. No entanto, este é um tópico que envolve questões de falta de consciência sobre oportunidades, acessos e privilégios, as quais prefiro não abordar neste momento.

Quero falar sobre como é grandiosa a oportunidade de ver Sir James Paul McCartney se apresentar em um palco para milhares de pessoas na cidade em que eu vivo. Ele ainda tem a confiança de quem ama o que faz. Sem playback, canta no mesmo tom que cantava antes. Como um comentário que li recentemente, Paul não busca a perfeição, busca a verdade. O que me faz pensar em John Lennon: “Give me some truth”.




Os shows tiveram duração de mais ou menos duas horas e trinta minutos, com apenas uma pausa curta antes do bis. Ao retornar para o palco, o músico levanta as bandeiras LGBTQIAP+, do Brasil e do Reino Unido. Neste momento, um rapaz que estava ao meu lado disse: “Para a nossa geração talvez o impacto não seja tão grande, mas é muito importante que pessoas da geração dele vejam ele levantando a bandeira LGBTQIAP+.”

A disposição e a boa vontade com o público não revelam apenas amor pela música, mas respeito pela legião de fãs. Não existe ponto baixo no repertório, todas as canções são bem executadas pela banda e abraçadas pela plateia que canta a plenos pulmões.

Corações apaixonados se derretem com as músicas bobas de amor, fãs do Fab Four se esgoelam cantando ‘Can’t Buy Me Love’, pessoas conseguem uma forma de dançar em espaços minúsculos ao som de ‘Dance Tonight’ e uma multidão sincroniza os braços para o alto enquanto entoam em uníssono ‘Jet’ e ‘Hey Jude’. O concerto também é do público que está presente ali, a energia que move todos por um único sentimento é um dos grandes méritos da música e de quem está proporcionando esse momento.

Paul recorre a poucos artifícios de pirotecnia e parafernálias que complementam muitas das performances atuais. Vemos mais as projeções de fotos no telão posicionado atrás dele, alguns efeitos de laser e, mais para o final do show, queima de fogos e labaredas para ‘Helter Skelter’. O show é o homem ali no palco, e ele sabe disso, além de contar com a competência absurda de seus músicos, com destaque para o carisma inigualável de Abe Laboriel Jr, o baterista.

Claro que um dos momentos mais marcantes acontece quando Paul toca ‘I’ve Got a Feeling’ em dueto virtual com John Lennon. O momento é tão mágico que te faz pensar na triste estupidez humana em atentar contra a vida de outra pessoa. As coisas poderiam ter sido diferente se tivéssemos escutado com atenção quando eles quatro nos disseram que tudo que precisamos é amor, ou quando Lennon cantou para o mundo ‘Give Peace a Chance’, música que o público puxou na apresentação de sábado (09), em São Paulo, e Paul acabou tocando um trecho em seu piano psicodélico.


Paul McCartney, get back!




Em um mundo cada vez mais conectado, a oportunidade de testemunhar Paul McCartney ao vivo é uma pausa para estar presente no momento, uma experiência que transcende a era digital. Um evento que nos recorda da grandiosidade e da intemporalidade da música dos Beatles e como esses quatro jovens de Liverpool mudaram o mundo, sem plena consciência da magnitude de seus feitos.

A turnê Got Back terminou no Maracanã, no Rio de Janeiro, e o estádio virou um mar de bexigas coloridas. Mais uma vez, o espetáculo também é responsabilidade do público, e os fãs de Paul estão de parabéns. O músico parecia feliz, orgulhoso e sem falar em aposentadoria, como fizeram correr boatos. Se despediu agradecendo por tudo e dizendo “até a próxima!”.

O legado dos Beatles permanece e Paul McCartney continua a ser a estrela mais brilhante em nosso firmamento musical. Ele nos disse tchau, mas o que a gente quer mesmo é dizer hello de novo.


Fotos por Marcos Hermes/Divulgação
Edição por Stefani Costa

Paul McCartney nos disse tchau, mas o que a gente quer é dizer hello de novo

Por
- Nascida nos anos 90 e apaixonada por música e escrita, é fã de Beatles e Rolling Stones. Acredita que escrever é como soltar pássaros de gaiolas. Instagram: @eladaninelo @daniescreve / Twitter: @danislelas