The Ghost Inside renasce das cinzas e estreia em São Paulo com show visceral

Embora o Brasil tenha se consolidado como um ponto estratégico em turnês para centenas de bandas e artistas desde meados da década de 2000, existem nomes que nunca imaginamos ver se apresentando por aqui, seja por questões burocráticas, custos logísticos ou circunstâncias imprevisíveis.

Dentro do contexto do heavy metal moderno, a banda californiana The Ghost Inside é um exemplo notável. Fundada em 2004, o grupo rapidamente se destacou no cenário devido à sua abordagem única, mesclando metalcore, hardcore e elementos de música eletrônica, resultando em uma proposta sonora moderna. Álbuns como “Returners” (2010), “Get What You Give” (2012) e “Dear Youth” (2014) foram fundamentais na revitalização do estilo na década passada. No entanto, apesar do hype aclamado, o conjunto não realizou turnês pela América do Sul durante seus primeiros anos de atividade.

Já em 2015, os membros enfrentaram uma tragédia quando estiveram envolvidos em um grave acidente de ônibus, resultando em lesões graves, com o baterista Andrew Tkaczyk perdendo uma de suas pernas. Na época, a saúde dos integrantes e o futuro da banda estavam em xeque, parecendo enterrar qualquer chance de os fãs brasileiros testemunharem uma apresentação ao vivo.

Apesar do impacto do acidente, The Ghost Inside demonstrou resiliência, voltando às atividades em 2019 e lançando um novo disco, assim marcando seu retorno triunfal. Além disso, a banda anunciou uma turnê pela América do Sul, e os fãs paulistanos finalmente tiveram a oportunidade única de testemunhar o quinteto que se tornou um exemplo de superação no palco da VIP Station no último domingo (18).

Algumas semanas atrás, a casa de espetáculos também foi palco da apresentação da banda de screamo Underoath (evento organizado pela GIG Music). Na ocasião, uma considerável parcela do público e profissionais de imprensa expressaram insatisfação em relação ao tratamento por parte da equipe de segurança, que conduziu revistas rigorosas nos presentes, incluindo a abertura forçada de equipamentos dos fotógrafos. Felizmente, desta vez, a segurança demonstrou uma preparação mais eficiente, resultando em ausência de reclamações desse tipo.

No dia, uma intensa chuva atingiu São Paulo, causando pontos de alagamentos na cidade. Como consequência, o público inicial foi significativamente reduzido às 19h, quando a entrada geral foi liberada.

O evento teve início com o set da banda brasiliense Never Look Back, apresentando uma proposta musical interessante que mescla letras em inglês e português, incorporando influências sólidas do hardcore straight edge e passagens nas guitarras e nas batidas semelhantes a bandas nacionais contemporâneas de punk rock melódico, como Pense e Triunfe.



Em um repertório curto, os músicos destacaram faixas do recém-lançado “Relentless“. Um dos momentos mais marcantes ocorreu durante “Única Saída“, que contou com a participação especial do vocalista Lucas “Jota” Ferreira, do Escombro. O desempenho do grupo evidenciou um potencial significativo, sugerindo que o Never Look Back pode em breve se tornar um nome de destaque na cena hardcore com sua abordagem diferenciada.




Na sequência, foi a vez do Bayside Kings, nome já consolidado na cena hardcore paulista. A banda trouxe elementos visuais adicionais, projetando imagens ao vivo do grupo em conjunto com cenas do recente videoclipe “Entre a guerra e a paz” no telão de LED da casa. O setlist compartilhou semelhanças notáveis com a apresentação de abertura realizada para o Rise Of The Northstar em novembro do ano passado, contando com faixas de diversas fases da carreira, desde algumas mais antigas, como “Get Up and Try Again” e “Sober”, até composições dos recentes EPs “Existência” (2021) e “Tempo” (2022), entre elas: “A Consequência da Verdade”, “#LivreParaTodos” e “Miragem”.



Como é de praxe, o vocalista Milton manteve uma intensa interação com os fãs, incentivando-os a transgredirem as grades de segurança. Em “Resistência“, o frontman foi à pista para dividir o microfone com os fãs, gerando uma verdadeira onda de crowdsurfings. Mais uma vez, a apresentação dos caiçaras foi marcada pela insana interação entre “público” e “artista”.



Após uma pausa para troca de instrumentos, o trio Colid assumiu a responsabilidade de encerrar o bloco de atrações nacionais. O set contou com grandes expectativas, considerando que o grupo é composto por Lucas Guerra e Charles Taylo, ex-membros da Pense, que desempenharam papéis fundamentais na criação do álbum “Realidade, Vida e Fé”. Além disso, o grupo realizou apenas alguns shows em São Paulo desde sua formação em 2022. Surpreendendo muitos, a sonoridade do novo conjunto não se limita totalmente ao hardcore; ao contrário, apresenta composições marcadas por influências de djent e metal moderno, caracterizadas por riffs compactos e elementos eletrônicos. Vale destacar também as letras inteligentes que abordam críticas à sociedade contemporânea e aos perigos da inteligência artificial.



Com um atraso de apenas 7 minutos, a atração principal da noite subiu ao palco com a casa já significativamente cheia, mas sem o aspecto de superlotação, como ocorreu durante o show do Underoath. Jonathan Vigil (vocal), Jim Riley (baixo), Andrew Tkaczyk (bateria), Chris Davis e Zach Johnson (guitarras) já entraram de forma explosiva, iniciando com “Engine 45” e “Unspoken”, ambas impressionando pela incrível transição entre guturais e vocais melódicos. A faixa “Move On”, com batidas aceleradas, guturais intensos e uma base de guitarras semelhante às de bandas como August Burns Red e Heaven Shall Burn, trouxe uma dose extra de agressividade, sendo recebida pelos fãs com a mesma empolgação. Nesse primeiro bloco, destacou-se a animação do baixista Jim, que percorreu o palco de ponta a ponta enquanto contagiava a plateia.

Em um breve intervalo, Jonathan pegou uma bandeira do Brasil customizada com o logo da banda, sendo ovacionado por gritos calorosos de seus seguidores. Logo após, o quinteto mandou os hits “The Great Unknown”, “Dark House”, “Dear Youth (Day 52)” e “Death Grip”, que foram acompanhados por coros, crowd surfings e circle-pits gigantesco. Vale ressaltar o quão intrigante é a semelhança entre os riffs dessas músicas e as bases apresentadas pelo Bayside Kings em seus últimos trabalhos, reforçando ainda mais a ideia de que o grupo santista foi a escolha perfeita para a abertura.



Para a satisfação dos fãs mais fervorosos, que aguardaram mais de uma década para presenciar o The Ghost Inside ao vivo, Jonathan e seus companheiros mandaram, próximo ao encerramento, uma seleção abrangendo praticamente todos os lançamentos da banda. “Pressure Point” surgiu com sua base instrumental ligada ao metalcore melódico, acompanhada por um refrão viciante, que se tornou praticamente uma marca registrada ao longo da carreira da banda. Em seguida, “Between The Lines” apresentou um hardcore direto, na linha do straight edge, revelando as origens dos rapazes. Empolgado, o frontman desceu até a pista durante “Faith or Forgiveness”, desencadeando uma verdadeira chuva de crowd surfings, com fãs ansiosos para compartilhar o microfone com o ídolo. Curiosamente, o recente e elogiado single “Wash It Away” acabou não sendo escalado.




Encerrando o set com chave de ouro, Jonathan fez um discurso emocionante, expressando sua alegria por estar vivo e poder se apresentar no Brasil. Ele também abordou o acidente que a banda enfrentou em 2015. Então, como aguardado, o quinteto engatilhou “Avalanche” e “Aftermath” – o primeiro single lançado após o retorno, que possui uma composição baseada no acidente, incluindo cenas do local da colisão e dos integrantes em processo de reabilitação.

Muitos duvidaram da capacidade do The Ghost Inside oferecer uma apresentação de alta qualidade após o acidente de 2015. No entanto, tal pensamento está completamente errado. Para o público paulistano, a banda entregou um espetáculo visceral, intenso e emocionante, demonstrando que literalmente renasceu das cinzas. Os californianos não apenas entregaram uma celebração de música extrema, mas também uma verdadeira aula de persistência. 

Fotos (Vanessa de Souza)

Never Look Back



Bayside Kings



Colid


The Ghost Inside


Setlist


Engine 45

Unspoken

Move Me

The Great Unknown

Dark Horse

Dear Youth (Day 52)

The Outcast

Death Grip

Pressure Point

One Choice

Between the Lines

Faith or Forgiveness

Earn It

Mercy

Avalanche

Aftermath


Texto: Guilherme Góes

Fotos: Vanessa de Souza

Agradecimento especial: Maria Correia (Heavy Metal Online/Metal No Papel)

The Ghost Inside renasce das cinzas e estreia em São Paulo com show visceral

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- Estudou jornalismo na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Apaixonado por música desde criança e participante do cenário musical independente paulistano desde 2009. Além da Hedflow, também costuma publicar trabalhos no Besouros.net, Sonoridade Underground, Igor Miranda, Heavy Metal Online, Roadie Crew e Metal no Papel.